Wednesday, December 13, 2006

She´s beyond good and evil

Acho que dificilmente serei respeitável. Assim como acho que nunca serei realmente adulto. Se bem que já me tenha passado pela cabeça - e com insistência, ultimamente.
Ser ou não ser respeitável, ou adulto ou ser categorizado neste género de parâmetros não é motivo de júbilo ou de objectivo pessoal de vida.

Ser anarquista ou niilista é demasiado demodé. apetecia-me fazer uma piada com demodé e depechemodé.

Hoje sinto-me feliz pois tenho um pequenino texto na revista UM.

é mesmo bom pois fui convidado por pessoas que admiro, estou ao lado de pessoas que admiro e escrevo sobre algo que gosto. oh happy day....


QUEM VIGIA
OS VIGILANTES?
Quando Dylan era deus, disse que Smokey Robinson
era um dos maiores poetas americanos. E
nessa altura, o poeta Robinson encontrava-se na
folha de pagamentos enquanto funcionário da
Motown de Berry Gordy, um empresário e ex-pugilista
que adaptou as linhas de montagem da sua
Detroit natal para criar uma editora de ”artistas
negros para a América branca”.
Não consta que, nessa altura, deus Dylan e
Smokey Robinson o soubessem, mas o seu fundo
de reforma também iria passar pelos direitos de
autor e pelos direitos conexos que iriam receber
de temas como “Like a Rolling Stone” ou “Going
to a Go-Go”. Quer quando os Rolling Stones decidiram
fazer a sua versão dessas músicas, quer
quando estas foram utilizadas em filmes ou anúncios,
quando passavam na rádio ou na televisão.
Já os homens de negócios como Gordy anteviam
que o futuro não passava só pelas vendas e, em
1959, o sr. Motown tratou de inscrever o seu nome
enquanto co-compositor e produtor de uma canção
profeticamente intitulada “Money (That´s All I
Want)” que Barrett Strong levou a nº1 nas tabelas
de r&b americanas. Com as vendas de “Money”,
Berry pôde definitivamente lançar a Motown. Mas
enquanto produtor e compositor tornou-se proprietário
de algo que lhe iria trazer muito mais dinheiro:
a venda de publishing. Isto é, das contrapartidas
financeiras da autorização a terceiros para a utilização
de uma composição e/ou gravação.
Tomemos como exemplo a canção “My Girl”,
que Smokey Robinson gravou com os Miracles e
que também teve uma versão de Otis Redding.
Smokey recebe direitos de autor, enquanto compositor,
pela utilização futura das duas versões.
E, enquanto intérprete, também recebe a título de
direitos conexos. Mas aqui, além dele, cada vez
que essa gravação é utilizada, outras entidades
devem receber uma retribuição: a Motown; os produtores;
os maestros que a arranjaram; os Miracles
e os restantes músicos que tocaram nessa composição.
Ou seja, todas as entidades que dão vida
a esse ser tão volátil e por vezes explosivo a que
chamamos de canção.
Por regra, quando temos dinheiro na equação,
temos também problemas. Dos quais as leis dos
homens procuram salvaguardar os direitos do poeta
Robinson e do deus Dylan. Só que muitas delas
são exigidas pelos empresários Berry. Os mesmos
que, por vezes, usam a sua experiência de pugilistas
para impor a “criminalização” da utilização sem
autorização dos seus temas. Ou a sua experiência
empresarial para tentar acompanhar as mudanças
do mercado, garantindo que o seu lucro se mantém
à tona.
Na realidade portuguesa, em 2006, já todos
ouvimos falar dos direitos de autor porque existe
uma tradição quanto à imposição legal de pagar
ao criador intelectual pela utilização da sua obra.
O que já não acontece com os direitos conexos.
E a principal razão é porque as associações que
afirmam legitimidade para os reclamar nunca estiveram
para aí vocacionadas. E tudo tem a ver…
adivinharam: com dinheiro.
É do domínio comum que as vendas dos discos
desceram abruptamente. Pois, a solução é
começar a vender as canções sem vender os discos
e a negociar as autorizações para que terceiros
possam utilizar e difundir as músicas; como é,
também, começar a garantir que não é só o autor
que putativamente recebe, já que uma música sem
músicos é muda. Será uma situação nova do ponto
de vista de aplicação prática, não do ponto de
vista legislativo. Compreensivelmente, o sucesso
de uma canção depende, por vezes, mais de um
intérprete do que da sua qualidade ou de quem a
escreveu. E por isso é justa uma retribuição.
Ora o problema aí reside nos valores que são
pedidos (que não são negociados e são impostos
por privados) e na forma como são distribuídos.
Em suma, quem vigia os vigilantes?
Depois também existem condições para alguém
exigir o cumprimento de obrigações, sendo uma
delas a de ser o legítimo titular do direito a que se
refere o valor. Mas, do outro lado, ninguém garante
que a única entidade que se propõe cobrar os
direitos conexos esteja de facto legitimada para
cobrar todos os direitos conexos devidos por
todas as músicas que passam em locais públicos
em Portugal – e aqui pode estar o poder e o perigo
de um monopólio. Como ninguém nos garante
que a forma como os distribui é a mais adequada,
pois sei que se esta noite puser o “Tears of
a Clown” a tocar num bar, tenho a certeza que
Smokey Robinson não irá receber um tostão pelo
meu acto. Mas tenho a certeza que a Universal,
que comprou a Motown, vai.
E existe uma outra questão: a importância
da música na nossa vida e na nossa formação
enquanto seres humanos. Será que os músicos,
compositores, maestros, editores e produtores
sempre pagaram todas as músicas que consomem?
Não. Por questões de dinheiro, de escolhas
ou de as terem de graça. Recordo que quando
tinha 16 anos tive uma revelação ao ouvir o
rock´n´roll dos Velvet Underground na rádio. Hoje
vinha a ouvir “Steady as She Goes” no comboio.
Questiono-me se o excesso de legalismo (que não
de legalidade) não será o real assassino da criatividade
e dos direitos que se procuram proteger. É
que uma canção sem ouvintes fica nas mãos de
quem a toca.
RICARDO SALAZAR

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